quarta-feira, 13 de novembro de 2013

O transplante

Dia 25 de setembro de 2013, Leticia estava vomitando e teve de ser internada pela quarta vez este ano. Eu estava sozinha, mas sabia que não dava para esperar e que precisava correr para o hospital. Liguei para a nutricionista e pedi que ela me encontrasse na emergência.
Pedi a uma amiga que me levasse para o hospital e a Biazinha me acompanhou. Chegamos lá e a Leticinha nem parecia que estava doente, ela ficou brincando enquanto esperava para ser atendida e chegou a pedir mamadeira. Naquele momento, eu me questionei se tinha feito certo em levá-la para o hospital, mas com MSUD não se brinca, eu cheguei a pensar que ela poderia já estar melhor, mas decidi prevenir e passar a noite no hospital.
Quando ela foi chamada, eu já sabia o que estava por vir, inúmeras tentativas de pegar uma IV, três pessoas a segurando e ela chorando me pedindo socorro. Até que essa vez não foi das piores, a terceira tentativa foi com sucesso.
Ufa! Primeiro passo concluído. Mas nem sempre esse primeiro passo é bem sucedido, em outras internações, a IV colocada na emergência parava de funcionar durante a noite e a madrugada virava um pesadelo.
Passei a noite em claro vigiando todos os movimentos da minha pequena para ter certeza de que ela não perderia essa IV. Conversei com os médicos sobre a possibilidade de colocar a picc line na primeira hora do dia seguinte. Essa é a única forma de mantê-la no soro sem risco de perder o acesso. Já seria a terceira vez neste ano.
Finalmente com a picc line, ela poderia receber o soro especial para o tratamento de MSUD. Naquele dia, ela já não queria mais mamar e meu deu a resposta de que tomei a decisão certa. A cada dia ela piorava, cheguei  a comentar com a enfermeira que desta vez a Leticia só teria alta após o transplante.
Dia 30 de setembro, a enfermeira entra no quarto às duas horas da manhã acompanhada pelo Dr Sindhi. Eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo. O cirurgião estava lá na minha frente e não era para fazer uma visita.
Ele mediu a barriga da minha pequena e me disse que eu poderia voltar a dormir porque ele só teria a confirmação ao amanhecer. Voltar a dormir? Como? Saí do quarto e fiquei passeando pelos corredores do hospital, e ao mesmo tempo avistava o Dr Sindhi ao telefone, eu sabia sobre o que ele estava falando, mas não conseguia obter uma resposta.
Eu estava entrando no quarto quando ele desligou o telefone e me chamou, conversamos mais um pouco, ele me falou sobre o doador e me deu quase certeza de que o transplante ocorreria naquele dia.
Quando entrei no quarto, a minha pequena acordou pedindo para brincar, eram quase 3h e tudo o que eu mais queria era vê-la brincando, não importava a hora.
Ela passou o dia no soro, sem preocupações com a fórmula.
Aquele seria o último dia com MSUD. Em breve ela estaria curada. Era inacreditável. Após 3 anos, eu não teria que me preocupar em oferecer a fórmula a cada três horas e muito mesmo pesar todos os alimentos. Não teria mais que preocupar com riscos de sequela a cada espirro ou a cada vômito. Aquela era, de fato, a hora perfeita para o transplante.
Mas apesar de toda a minha alegria, eu não poderia deixar de pensar na família que acabava de perder uma criança. Optar pela doação de órgãos no momento de dor é algo sublime, uma atitude altruísta e admirável. Outras crianças também foram salvas graças ao mesmo doador.
Eram 8 horas da noite quando a minha pequena entrou na sala de cirurgia. Começavam, naquele momento, as horas intermináveis. As primeiras 5 horas foram tensas, apesar de toda a descontração graças à visita de amigos queridos, eu não conseguia parar de pensar no que estava acontecendo no centro cirúrgico.
Por volta de 1 hora da manhã, o Dr Kyle apareceu sorrindo e nos disse que a Letícia estava curada, o novo fígado já estava conectado e funcionando perfeitamente. Ele também disse que a cirugia terminaria em aproximadamente 2 horas, mas não terminou. A próxima notícia só chegou às 7 horas da manhã quando o Dr Sindhi apareceu (não tão sorridente quanto o Dr Kyle) e nos chamou para uma sala reservada.
Ele começou a nos explicar o que tinha acontecido e eu não entendia o que ele estava falando até o momento que ele disse que a minha filha ficaria sedada enquanto esperava um novo fígado. Ela estava no topo da fila nacional e poderia receber o órgão a qualquer momento. Eu estava tão desnorteada que não conseguia assimilar o que ele estava falando. A minha filha precisaria fazer outro transplante? Era isso mesmo? Sim, foi o que ele me respondeu.
Durante a cirurgia, um coágulo se formou na artéria hepática e isso poderia fazer com que o fígado parasse de funcionar a qualquer momento. As coisas estavam ficando mais claras e eu finalmente consegui entender o que ele estava nos dizendo.
Eu ainda teria que esperar quase uma hora para ver a minha filha, parecia uma eternidade, eu queria olhar para o meu bebê, conversar com ela.
Entrar na UTI foi um dos momentos mais traumatizantes da minha vida, não foi fácil ver a minha filha sedada e entubada. E o pior, sem previsão para acordar. Ela ficaria sedada até que o novo fígado aparecesse.
Para a nossa surpresa e acredito que até para a dos médicos, os níveis começaram a baixar (o que significa que o fígado está funcionando) e eles começaram a considerar a possibilidade de manter o fígado já transplantado.
Dia 4 de outubro, a minha pequena foi levada novamente para o centro cirúrgico para que os médicos pudessem avaliar o fígado e fechar a barriguinha dela. Eu finalmente iria ver a minha filha acordada.
A cirurgia demorou pouco mais de uma hora e, algumas horas depois, a minha pequena começava a abrir os olhinhos. Ela ainda não conseguia falar por causa do tubo de respiração, mas ela acenava e me olhava.
Tiraram o tubo de respiração no dia seguinte, e a primeira coisa que ela disse foi: Mommy, I wanna go home! Foi um alívio ver a minha pequena se recuperando de forma tão rápida.
A cada dia eu podia notar uma enorme diferença, ela voltou a andar, voltou a sorrir. Ainda sentia muita dor, mas a vontade de brincar era maior e ela superava. Ela já acordava pedindo para brincar com o Choo Choo Train no playroom.  
Dia 14 de outubro, a minha pequena foi liberada para passar a tarde em casa, foi a maior alegria ver a minha filha entrando em casa após três semanas no hospital. Lembro da carinha de felicidade dela ao ver os presentes de aniversário no sofá.
À noite, hora de voltar para o hospital e receber a notícia de que ela teria alta no dia seguinte. Quanta alegria! A minha filha finalmente voltaria para casa. Eu sabia que não seria fácil, mas sem dúvida o lar é o melhor lugar para se recuperar.